segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

É possível estudar cientificamente a sobrevivência após a morte?

Capítulo publicado em:
Incontri, D. & Santos, FS. A Arte de Morrer – visões plurais. Bragança Paulista, SP. Editora Comenius, 2007. (pag. 36-44)
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http://www.hoje.org.br/site/arq/artigos/20071122-EstudarCientificamenteASobrevivencia.pdf
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Por  Alexander Moreira-Almeida
Psiquiatra, residência e doutorado em Psiquiatria pela FMUSP, pós-doutorado em Psiquiatria pela Duke University, EUA. Professor Adjunto de Psiquiatria e Semiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora. Fundador e coordenador do NUPES (Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde da UFJF).

Introdução
Este capítulo aborda um tema que tem sido um dos maiores objetos de preocupações e reflexões ao longo da história humana: a sobrevivência da personalidade após a morte do corpo físico. Este tópico é central às religiões em todo o mundo e tem sido foco de inúmeras e intermináveis discussões filosóficas e teológicas.

Ainda mais controvérsias existem quanto à possibilidade de estudar cientificamente a sobrevivência após a morte. Neste breve capítulo, naturalmente, não pretendemos esgotar o tema, mas apresentar uma introdução muito breve ao assunto, com algumas reflexões e estudos que têm sido feitos neste tópico tão importante.

A questão da existência ou não da vida após a morte do corpo físico tem habitualmente sido considerada como metafísica, portanto, não passível de abordagem científica, ficando restrita ao campo das religiões, da teologia e da filosofia. Embora, a princípio, muitos possam considerar absurdo mesmo cogitar a possibilidade de pesquisas sobre a vida após a morte, esse assunto tem sido foco de muitos cientistas e intelectuais de destaque nos últimos 150
anos. Infelizmente, esse debate é habitualmente completamente desconhecido dos pesquisadores e clínicos da atualidade.

A princípio, os ramos da ciência que estudam a mente humana deveriam incluir dentro de seu escopo de investigação o entendimento da natureza da mente humana.

Assim, a Psicologia (etimologicamente: ciência da alma ou da mente) e Psiquiatria (medicina da alma ou da mente) deveriam ter como um de seus principais objetos de estudo a origem do funcionamento mental e se este se extingue com a morte corporal e a conseqüente destruição do cérebro. No entanto, esses tópicos não são abordados, sendo muitas vezes deliberadamente evitados, pela maioria dos pesquisadores da psicologia e psiquiatria.

Habitualmente, ou se considera resolvida esta questão no sentido de que a mente é produto do funcionamento cerebral e se extingue com a morte deste, ou este assunto é considerado fora da possibilidade de uma investigação científica (Kelly et al., 2007).

Muitas das objeções à possibilidade de investigação científica da sobrevivência postmortem se baseiam em pressupostos epistemológicos habitualmente não mais aceitos pela filosofia da ciência contemporânea. Para que uma teoria ou hipótese seja passível de investigação científica, um ponto fundamental é que ela deva levar a predições que sejam testáveis empiricamente (ou seja, com base na experiência, na observação) (Popper, 1963; Chalmers, 1997; Chibeni & Moreira-Almeida, 2007). Assim, o trabalho inicial deve ser o de checar se tais predições empíricas ocorrem ou não.

Defendemos a idéia de que os modelos (hipóteses) sobre a mente e sua relação com o cérebro, com suas implicações de sobrevivência ou não sobrevivência da mente após a morte cerebral, podem ter implicações empíricas testáveis, tornando-as passíveis de investigação científica. Uma das previsões mais diretas decorrentes destas hipóteses seria a existência ou não de evidências do funcionamento mental de uma dada personalidade após a morte do corpo físico.

Dessa forma, um ponto capital a se salientar é que uma discussão sobre um tema tão importante e controverso, para ser produtiva, não deve ser guiada apenas por idéias pré-estabelecidas (sejam elas teorias científicas, religiosas ou filosóficas).

Uma questão geralmente negligenciada, mas que precisa assumir preponderância neste debate é se há evidências empíricas relacionadas à sobrevivência postmortem. Por incrível que pareça, há mais de um século, pesquisadores de alto nível têm se envolvido com esta questão e investigado evidências empíricas neste sentido.

Essas propostas de pesquisa científica sobre a sobrevivência após a morte tomaram impulso em meados do século XIX com o advento do espiritualismo moderno na Europa e nos EUA. Isto se deveu ao fato do espiritualismo ter trazido à tona muitos fenômenos supostamente indicativos da sobrevivência postmortem. Como aquele era um período de grande valorização da ciência, buscou-se aplicar a abordagem científica também nos controversos fenômenos mediúnicos e aparições (Alvarado, 2003).

Embora habitualmente desconhecidas por pesquisadores e clínicos da atualidade, pesquisas sobre a relação cérebro-mente, natureza da mente e sua sobrevivência após a morte foram fundamentais para a psicologia e psiquiatria nascentes na transição dos séculos XIX e XX. Tais tipos de pesquisas ocuparam por muitos anos vários dos pioneiros destas áreas. Alguns exemplos são William James, Carl G Jung, Frederic Myers, J. B. Rhine, Hans Eysenck e Ian Stevenson (Almeida e Lotufo Neto, 2004; Crabtree, 1993; Ellenberger, 1970; Eysenck & Sargent, 1993, Stevenson, 1977, 2007).


 Muitos outros cientistas de outras áreas, vários deles ganhadores de prêmios Nobel, também se dedicaram à investigação da natureza da mente e sua sobrevivência após a morte. Entre eles estão Cammille Flammarion, William Crookes, Alfred Russel Wallace, Ernesto Bozzano, Alexander Aksakof, Oliver Lodge, Lord Rayleigh, J. J. Thomson, Cesare Lombroso e Charles Richet.

Provavelmente a empreitada neste sentido que reuniu o maior número de pesquisadores foi a Society for Psychical Research (SPR), fundada por pesquisadores da Cambridge University, na Inglaterra, em 1882. Além da SPR, vários outros grupos de pesquisa foram e têm sido formados com objetivos similares.





A seguir são listados alguns dos principais exemplos:
American Society for Psychical Research, EUA (fundada por Richard Hodgson e William James em 1885),
Instituto de Metapsíquica de Paris (fundado por Charles Richet em 1919),
Laboratório de Parapsicologia na Duke University, EUA (fundado por J.B. Rhine em 1927), Division of Perceptual Studies na University of Virginia, EUA (fundado por Ian Stevenson em 1967)
e VERITAS Research Program na University of Arizona, EUA (Fundado por Gary Schwartz em 1997).

Embora nem todos os pesquisadores tenham chegado às mesmas conclusões, eles geralmente compartilhavam a aceitação da possibilidade de investigação científica da sobrevivência postmortem. Abaixo, transcrevemos textos de dois pesquisadores deste tema que, separados por mais de um século, compartilhavam esta mesma opinião.

A primeira transcrição, do francês Allan Kardec, pioneiro na busca de investigação científica dos fenômenos espirituais, expressa a crença na possibilidade de uma investigação empírica de temas considerados previamente como metafísicos, como a sobrevivência após a morte.

“As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus estudos se basearam sobre o método experimental; até então, acreditou-se que esse método também só era aplicável à matéria, ao passo que o é também às coisas metafísicas. (...) Até ao presente, o estudo do princípio espiritual, compreendido na Metafísica, foi puramente especulativo e teórico. No Espiritismo, é inteiramente experimental. Com o auxílio da faculdade mediúnica, (...) mais bem estudada, o homem se achou de posse de um novo instrumento de observação.”
(p.20)
(Kardec, 1992 [1868])

A seguir, uma afirmação de Ian Stevenson, ex-diretor da Division of Personality Studies da University of Virginia, provavelmente o principal pesquisador do século XX sobre a questão da sobrevivência após a morte (Stevenson, 2007):

“A questão da sobrevivência do homem após a morte é certamente uma das mais importantes que alguém pode fazer a si mesmo. (...) A despeito de grandes dificuldades, esta questão é passível de investigação empírica”
(Ian Stevenson, 1977)

Que Evidências Existem para a Sobrevivência Após Morte?
Tendo em vista que muitos pesquisadores defenderam e ainda defendem a possibilidade de investigação científica da sobrevivência após a morte, que tipos de evidências estão disponíveis e a que conclusão é possível chegar a partir delas?

Ou seja, há evidências de vestígios da continuidade da atividade da personalidade após a desintegração cerebral?

Naturalmente, como em todos os temas controversos, não há uma resposta rápida e consensual. Também não pretendemos neste curto capítulo realizar um estudo aprofundado, nem explorar todas as nuances do tema. Conforme já explicitado, nosso objetivo se limita a introduzir o leitor ao tema e apresentar algumas reflexões a respeito.

Para uma leitura em maior profundidade, é recomendada a leitura das obras citadas nas referências bibliográficas.

Quando se procuram evidências a favor de uma dada hipótese, é preciso ter em mente qual grau de certeza se deseja alcançar. Importante ter em mente que não é possível encontrar a comprovação cabal e definitiva de qualquer hipótese em qualquer ciência, inclusive na física (Chalmers, 1997; Popper, 1963).

Esta ingenuidade epistemológica, a busca de uma prova definitiva, tem permeado o discurso de vários pesquisadores que comentam as pesquisas de sobrevivência postmortem (Moreira-Almeida, 2006).

Assim, o que se deve esperar das pesquisas científicas é o acúmulo de evidências a favor ou contrárias a uma dada hipótese. Idealmente, estas evidências devem ser de tipos variados e não apenas uma replicação continuada dos mesmos achados.

Ou, colocando-se do ponto de vista defendido por Karl Popper (1963), o falseacionsimo, a questão da sobrevivência postmortem poderia ser colocada de outra forma: há evidências que falseiam a hipótese de que a consciência é gerada pelo cérebro e desaparece com a morte física?

Assim, seria interessante o leitor agora se perguntar: “que evidências eu julgaria necessárias para colocar em xeque a hipótese monista materialista?” Ainda seguindo Popper, devemos lembrar que, para uma hipótese ser considerada científica, deve ser possível imaginar situações que, se confirmadas, nos levariam a rejeitar nossa hipótese.

Embora haja vários tipos de evidências sugestivas de vida após a morte do corpo físico, optamos por agrupá-las em três categorias: Mediunidade, Casos sugestivos de reencarnação e Experiências de Quase Morte.

A seguir, vamos apresentar uma breve descrição das pesquisas desenvolvidas nessas três linhas. Para uma descrição e análise mais aprofundadas, mas ainda assim introdutória, recomendamos o livro do filósofo Robert Almeder (1992). Para uma análise crítica mais pormenorizada e atual sobre a hipótese monista materialista com sua proposta de reduzir a mente a uma propriedade do cérebro, ver a obra Irreducible Mind de Edward Kelly et al. (2007).

Mediunidade

Mediunidade aqui é entendida como a situação em que uma pessoa acredita estar recebendo uma comunicação de uma fonte espiritual, não física. Neste sentido, a mediunidade tem estado presente ao longo da história em praticamente todas a civilizações, estando na base de grande parte das religiões. Entretanto, a busca de investigação científica desta experiência teve início apenas em meados do século XIX.

Naturalmente, grande parte das comunicações consideradas mediúnicas podem ser facilmente explicáveis como fraude ou exteriorizações de conteúdos inconscientes da mente de alguém tido como médium.

Devido à credulidade dos assistentes, comunicações genéricas, de conteúdo aplicável a qualquer pessoa, podem ser tidas como evidências de sobrevivência postmortem por pessoas fragilizadas psicologicamente pelo falecimento de um ente querido. No entanto, estas hipóteses são sempre levadas em consideração pelos investigadores da mediunidade. Do ponto de vista de evidência de sobrevivência, as comunicações só têm valor após a exclusão destas explicações iniciais.

Embora a maioria das supostas comunicações mediúnicas possa ser explicada por fraude ou manifestação do inconsciente do médium, há um bom número das que não podem ser descartadas com tanta facilidade (Gauld, 1982; Almeder, 1992).

Um primeiro tipo de comunicação mediúnica de interesse para nosso tema são aquelas que trazem informações verídicas, de conhecimento do indivíduo falecido, mas que são desconhecidas do médium.

Estas informações podem incluir detalhes sobre as circunstâncias da morte, apelidos de familiares ou fatos pitorescos conhecidos apenas na intimidade da família da personalidade falecida que supostamente se comunica pelo médium.

Fenômenos desse tipo foram descritos muitas vezes nas cartas psicografadas por médiuns como Chico Xavier e Divaldo Franco para pessoas que perderam entes queridos. Entretanto, infelizmente, as investigações publicadas a este respeito ainda são escassas e merecem ser replicadas com um aprimoramento metodológico (Severino, 1990; Franco & Pereira, 1994). Pesquisas rigorosas foram realizadas na Europa e nos EUA, com resultados positivos (Almeder, 1992; Stevenson, 1997; Schwartz, 2002). Estudos duplo-cego têm sido realizados para evitar que a sugestionabilidade de quem recebe uma mensagem o leve a considerar como verídica uma comunicação com conteúdo genérico (Roy & Robertson, 2001; Schwartz, 2002).

Algumas pessoas aceitam que as comunicações trazem informações verídicas desconhecidas pelo médium, mas não as atribuem à comunicação de uma personalidade desencarnada.

Alguns autores afirmam que os médiuns podem ter obtido estas informações telepaticamente dos familiares do falecido que foram até o médium para tentar obter uma comunicação. Este tipo de explicação se torna mais improvável quando a comunicação com informações verídicas ocorre mesmo na ausência de algum conhecido da pessoa falecida que supostamente se comunica (Gauld, 1982).

Um tipo de comunicação mediúnica que é ainda mais difícil de se explicar telepaticamente é quando o médium, durante o transe mediúnico, exibe habilidades não aprendidas previamente.

Neste sentido, uma das mais notáveis e raras é a da xenoglossia responsiva, quando o médium consegue conversar numa língua existente, mas que ele não aprendeu previamente (Almeder, 1992; Stevenson, 1977; Stevenson & Pasricha, 1979).

Outros tipos de habilidades não aprendidas, mas que eventualmente são exibidas por médiuns são a xenografia (escrever numa língua desconhecida pelo médium), pintura e poesia. O primeiro livro publicado pelo médium Chico Xavier, aos 22 anos de idade, continha 259 poemas atribuídos a 56 poetas de língua portuguesa já falecidos.

Este livro foi objeto de investigação de uma dissertação de mestrado em literatura que identificou a similitude estilística entre os poemas psicografados e aqueles que foram escritos pelos poetas em vida (Rocha, 2001).

Um outro tipo de habilidade aparentemente exibida por médiuns, mas pouco estudada é a identidade caligráfica da personalidade comunicante com a caligrafia do indivíduo quando ainda em vida (Perandréa, 1991).

Exemplos de outros fenômenos considerados mediúnicos que têm sido investigados são as correspondências cruzadas (diferentes médiuns, sem contato normal entre si, de modo independente comunicariam mensagens que, isoladamente, careceriam de sentido, mas que, quando agrupadas, formariam um todo coerente), aparições por ocasião da morte (Gauld, 1982; Stevenson, 1977) e manifestações físicas como materializações e movimentação de objetos. Estes últimos, os fenômenos físicos, foram alvo de muitos tipos de fraude, o que gerou uma forte desconfiança em relação a este tipo de manifestação (Gauld, 1982).

   Reencarnação
Os casos sugestivos de reencarnação têm sido muito investigados em relação à pesquisa de vida após a morte, pois a reencarnação de uma personalidade requer a sobrevivência dela após a morte do corpo físico para que possa se manifestar num novo corpo.

Os casos sugestivos de reencarnação tipicamente envolvem crianças de 2 a 4 anos que começam a falar sobre uma suposta vida passada. Em alguns casos, relatam detalhes que permitem identificar e localizar uma pessoa falecida que se encaixa na descrição da criança. Habitualmente estas crianças param de falar sobre esta suposta vida passada por volta dos 7 anos (Stevenson, 2000).

Muitas das afirmações feitas por estas crianças são bem específicas, evidenciando um conhecimento sobre a vida de uma pessoa falecida desconhecida da família, muitas vezes morando em cidades distantes.

Este conhecimento não parece ter sido obtido por meios normais de comunicação (Schouten & Stevenson, 1998; Stevenson, 2000). Como no caso da mediunidade, a primeira tarefa é excluir fraudes ou afirmações genéricas que podem ser tidas pelos familiares como específicas de uma dada pessoa.

Um dado que chamou a atenção de Ian Stevenson, que documentou mais de 2.000 casos deste tipo, é que as crianças, além de exibirem conhecimento de fatos relativos a uma pessoa já falecida desconhecida, também evidenciam habilidades, traços de personalidade e mesmo marcas de nascença relativas à pessoa falecida, à suposta vida passada da criança. Estes traços físicos e comportamentais têm sido foco de maior investigação nas últimas décadas (Stevenson, 1997, 1999; 2000; Almeder, 1992)


Experiências de Quase-Morte/ Experiências Fora do Corpo

As experiências de quase morte (EQM) são relevantes para a presente discussão pois envolvem a experiência de alguma independência da mente em relação ao corpo físico. Nas últimas décadas, as EQMs têm sido foco de um razoável número de investigações e debates.

As EQMs surgem em situações de uma ameaça à vida, real ou imaginada, e envolvem, entre outras características, a percepção de estar fora do corpo físico, sentimentos de paz, vivenciar uma grande lucidez e clareza mental, encontro com pessoas já falecidas e/ou seres de luz, visão retrospectiva de toda ou partes da vida e o retorno ao corpo físico (Greyson, 2007).

Muitos buscam explicar a EQM como sendo fruto exclusivamente de alucinações por alterações cerebrais num moribundo (hipóxia, uso de várias medicações...) ou como criações mentais baseadas nas crenças e mecanismos de defesa psicológicos dos pacientes. Entretanto, os proponentes destas teorias habitualmente não realizam pesquisas com EQM e não testaram as implicações empíricas de suas hipóteses.

Embora a vivência das EQMs varie de pessoa para pessoa e entre as diversas culturas, parece haver um núcleo da experiência que se mantém relativamente inalterado entre as diversas culturas e pacientes (Athappilly et al., 2006; Greyson, 2007; Kelly et al., 2007).

Do mesmo modo, a ocorrência e as características da EQM não se mostraram relacionadas com os níveis de oxigenação sangüínea ou com o número de medicações usadas pelos pacientes (Greyson, 2007; van Lommel et al., 2001; Parnia et al., 2001). Assim, não parece que a EQM possa ser explicada como sendo devida à expectativa dos pacientes, hipóxia ou polimedicação.

Uma das características que mais chama a atenção na EQM é o funcionamento mental lúcido durante a EQM. Num paciente agonizante ou numa parada cardíaca, o cérebro, a princípio, deveria estar não funcionante ou com funcionamento bastante precário, como no estado confusional agudo (delirium).

Pesquisas indicam que o EEG se torna isoelétrico (indicando ausência de atividade elétrica cerebral cortical) após 10 a 20 segundos de parada cardíaca. No entanto, muitos pacientes que tiveram EQMs durante paradas cardíacas referem que conseguiam pensar e ainda com maior clareza e lucidez do que em estado de vigília normal. Ou seja, estes dados sugerem que a consciência pode não ser necessariamente totalmente dependente do funcionamento cerebral (Parnia & Fenwick, 2002).

Uma outra característica das EQMs que parece ser relevante como evidência de independência da consciência em relação ao cérebro e da possibilidade de sobrevivência postmortem são os relatos de descrições feitas pelo paciente, posteriormente confirmadas, de situações que ocorreram durante uma EQM e que o paciente não poderia ter percebido com seus sentidos normais, mesmo se estivesse desperto (Sabom, 1998; Stevenson & Greyson, 1979).

Conclusões
Conforme descrito anteriormente, o objetivo deste capítulo não é esgotar o tema, mas apenas apresentar algumas reflexões e pesquisas feitas em torno da possibilidade de investigação científica da sobrevivência após a morte. Para os interessados em um aprofundamento nesta inquietante e desafiadora questão, recomendamos a leitura da bibliografia citada ao longo deste texto, especialmente os livros de Almeder (1992), Gauld (1982) e Kelly et al. (2007). Uma fonte preciosa, com acesso gratuito e que disponibiliza a íntegra dos textos originais de muitos dos principais pesquisadores da área é: www.survivalafterdeath.org/articles.htm


Vários tipos de pesquisas que buscam investigar evidências de sobrevivência após a morte foram brevemente apresentados e apontam para a possibilidade de uma abordagem empírica desta questão. Naturalmente, as conclusões variam quanto à força destas evidências no sentido de confirmarem a hipótese da sobrevivência postmortem.

O psicólogo David Lester, numa obra que se propõe investigar as evidências da sobrevivência após a morte concluiu que “a pesquisa revisada neste livro não consegue convencer que há vida após a morte” (p.214) (Lester, 2005; Moreira-Almeida, 2006). Por outro lado, outros autores, considerando a força e a variedade das evidências que sugerem sobrevivência, concluem como o filósofo Robert Almeder : “Nós agora temos (...) evidências empíricas convincentes sobre a crença em alguma forma de sobrevivência após a morte (p. ix). (...)

Nós temos aqui apoio para uma crença confirmada baseada puramente em evidências factuais. A multiplicidade de argumentos provê a evidência extraordinária necessária para a convicção” (p.256) (Almeder, 1992).


Esperamos que este breve capítulo possa estimular a investigação científica em áreas menos habituais e, por isso mesmo, mais desafiadoras e coerentes com um espírito legitimamente científico de pesquisa, de investigação rigorosa das questões mais intrigantes e relevantes (Chibeni & Moreira-Almeida, 2007).

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