A carta a seguir - tão somente adaptada por José Barbosa Melo,agricultor - foi escrita por Luciano Pizzatto que é Engenheiro Florestal, especialista em Direito Sócio Ambiental, Empresário, Diretor de Parque Nacionais e Reservas do IBDF-IBAMA 88-89, detentor do Primeiro Prêmio Nacional de Ecologia.
Prezado Luis Inácio, Quanto Tempo e meu amigo.
Eu sou o Zé, teu colega de ginásio supletivo noturno,lembra quando morava aí?, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, estrada com lama, lembra né ? O Zé do sapato sujo? Tinha fessor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua(4 Km) para pegar o caminhão por isso o sapato sujava.
Se não lembrou ainda eu te ajudo Luís. Lembra do Zé Cochilo . hehehe, era eu, meu amigo. Quando eu descia do caminhão de volta para casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite. De madrugada o pai precisava de ajuda para tirar leite das vaca. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luis ?
Pois é. Estou pensando em mudar para viver ai na cidade que nem vocês na boa. Não que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, cobra,tatú,sabiá do campo, ar puro... Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos ai da cidade. To vendo todo mundo falar que nóis da agricultura familiar estamos destruindo o meio ambiente.
Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu de morte morrida e tive que parar de estudá) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.
Minha água é de um poço que meu avô lá pos ano de 1920 cavou, há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do Governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar no mundo. Se ele falou deve ser verdade, né Luis Inácio ?
Para ajudar com as vaca de leite (o pai se foi, né .) contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoa aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana ai não param de fazer leite. Ô, bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário ?
Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia. Nossa ! Eu não sei como encumpridar uma cama, só comprando outra né Luis ? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador para ter luz boa no quarto do Juca.
Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom Luis, tive que pedir ao Juca para voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas Lei.
Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele para delegacia, bateram e deram chicotada no lombo dele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para acudí o pobre rapai.
Depois que o Juca saiu, eu e Marina (lembra dela, né Luis ? casei) tiramos o leite às 5 e meia, ai eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que fazer umas coisas para proteger o rio, um tal de digestor..
Achei que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta meis para fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e para poder pagar eu tive que vender os porcos, as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas.
O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não ai mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas para o orfanato da cidade. Ô Luis, ai quando vocês sujam o rio também pagam multa grande né ?
Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio para não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios ai da cidade. A pocilga já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida, mau cheiro de esgoto,sofá véio e lixo boiando para todo lado.
Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis Inacio? Quem será ? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortá árvore então, NósSenhora !.
Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa.
Fui no escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meis e ninguém apareceu para fazer o tal laudo ai eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei tive que derrubá. Pronto ! No outro dia chegou o fiscal e me multou Luis. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente.. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau da árvore. Acho que desta vez vou ficar preso memo, o pior é durmi na cela com muito cara junto né Luis.
Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova Lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a cidade, ai tem luz, carro, comida, rio limpo,borsa família porque não trabaio. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é para todos.
Eu vou morar ai com vocês, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe para levar para casa. Ai é bom que vocês e só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca, nem tem perigo cobra picá, é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nóis, os criminosos aqui da roça.
Até mais Luis Inácio.
Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado pois não existe por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio, saudade do tempo de São Bernardo onte nói tomava aquelas branquinha.Abraço Luis.
( Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desigual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.)
Divulgue !
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